SOU MAIS OU MENOS ASSIM

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14/06/2018

EMANCIPAÇÃO DE SÃO CHICO DE PAULA


CONTADA EM VERSOS

São Francisco de Paula - Av. Júlio de Castilhos - 1922
 
 
Quando Cristóvão Pereira
bombeou os campos dobrados
não pensou que aquele achado
fosse além de uma pousada.
Pra quem vivia na estrada
pelo prazer de tropear
aquele belo lugar
era um descanso e mais nada.

Mil setecentos e vinte,
mais ou menos neste ano,
é que este lusitano
fez trilhos por nossa mata.
Findava o Ciclo da Prata
pras bandas dos castelhanos
então Cristóvão, aragano,
singrou o Rio Grande a pata.

Vinha costeando oceano
até chegar em Palmares
com um mundéu de muares
compondo a longa jornada.
Iam cambiar a mulada
pois deixavam Sacramento,
via Morro dos Conventos,
com destino a Sorocaba.

E foi aí, meus patrícios,
que a história aconteceu.
Cristóvão Pereira de Abreu
do inverno fez primavera.
Abrindo sulcos na terra
pela encosta geral
veio bater, afinal,
aqui por cima da serra.

Encontrou vestígios largos
dos Caáguas cavaleiros,
os índios que por primeiro
habitaram nossos campos.
Moravam em furnas, barrancos,
se alimentavam de caça
mas com o tempo essa raça
sumiu do meio dos brancos.

Pedro da Silva Chaves,
fidalgo de Portugal,
deu o impulso inicial
para a nossa povoação.
Por conta da devoção
a São Francisco padroeiro
doou cinquenta terneiros
para uma construção.

Era a primeira capela
no alto de um coxilhão.
Um recinto de oração
com uma vila a seus pés.
E neste rancho de fé
onde o perdão se conquista
quem rezou a primeira missa
foi reverendo José.

Esse padre era filho
de Pedro da Silva Chaves.
De batina, voz suave,
palmeando o livro sagrado.
Pedro morre. É enterrado
no altar-mor da igreja
era vontade, assim seja
e chora o povo enlutado.

Mil setecentos e setenta e sete
é a data em que falece.
Capitão Pedro merece
honrarias de um herói.
Ficou a esposa Godoy
e a solidão das taperas,
vento dobrando as tigueras
e a saudade que corrói.

***

Mil setecentos e cinquenta e um
(voltemos anos e dias).
O Rio Grande amanhecia
buscando um rumo adequado.
Neste tempo era chamado
de Continente Del' Rei.
Entre disputas e leis
foi instituído o senado.

Mil oitocentos e nove
era São Pedro do Sul.
Matas verdes, céu azul,
raízes, frutos, princípio,
campos largos por munício
palco de lendas, de guerras.
Nestes anos, essa terra,
tinha quatro municípios.

Porto Alegre, Rio Grande,
Rio Pardo (um patrimônio)
e a gloriosa Santo Antônio
com as suas freguesias.
A lendária Vacaria,
a Conceição (hoje Osório),
e São Francisco, simplório,
mas com gente de valia.

Agora eu fico pensando
na luta destes viventes..
Água buscada em vertentes,
luzeiro de lamparina,
raízes por medicina,
o gado vagando a esmo,
homem confiando em si mesmo
e a crença na mão divina.

Gosto de ouvir os relatos
trazidos pelos antigos
as quarteadas, os perigos,
leão báio na espreita,
não se usava calça estreita,
davam louvado pros pais,
respeitavam os ancestrais,
era uma vida mais direita.

Mil oitocentos e trinta e cinco.
Explode a revolução.
Nossa querência d'então
foi refúgio farroupilha.
Nos sulcos destas coxilhas
cruzou muito "nego" touro
que vinha curar o couro
i'então voltar pra guerrilha.

Nestes tempos São Francisco
atendia por "Capela".
Turma buenacha aquela,
troperiando noite e dia.
Nova era já se via
e algum tempo depois
(mil oitocentos e cinquenta e dois)
elevou-se a "Freguesia".

Mil oitocentos  e setenta e oito,
depois de tempos na fila,
na categoria de "Vila"
fizeram sua instalação.
Barulho de "três oitão",
foguetório, gritaria,
os tauras das serranias
buscavam emancipação.

Depois disso um tempo negro
por desavenças e críticas.
Grandes disputas políticas,
Maragatos, Assisistas,
os Chimangos, os Borgistas,
peleia, revolução,
levando meio a roldão
todas as nossas conquistas.

Mil oitocentos e oitenta e nove,
era do fim o princípio.
Extinguiu-se o município
a Taquara anexado.
Tudo feito, assim, forçado,
meio por baixo dos panos,
mas no fim do mesmo ano
o mal feito é revogado.

Veio então Jonathas Abbott,
nosso primeiro intendente,
homem bom e competente
como poucos já se fez.
Aí chegou nossa vez
de nunca mais ter patrão,
fulgura a emancipação
em mil novecentos e três.

Era no mês de janeiro,
ano novo, sol a pino,
de lá pra cá o destino
sempre nos deu uma mão.
Peleando em revolução,
morando perto do céu,
as vezes indo ao mundéu
sem esquecer do seu chão.

Assim cresceu nossa gente,
espero que nunca mude,
como juncal de açude
se pisado, rebrotando.
Velhas baldas ostentando,
lindeiros da tradição,
mas sem perder a visão
de um mundo novo chegando.

Lá se vai, então, um século,
cem anos de muita luta,
revirando a terra bruta,
pecuária, agricultura.
Cem anos onde a cultura
tem sido nosso brazão,
gaúchos por vocação
na sua forma mais pura.

Cem anos emancipados,
outros cem anos ao vento,
onde leis e documentos
perderam-se no espaço.
No ranger de sela e basto,
no varar de pasto e água,
viemos, desde os Caáguas
forjando consciência e braço.

Herdamos dos portugueses
orgulho de pelo-duro,
mescla de branco e escuro,
viver sadio lá de fora,
tropeiros fazendo auroras
mesmo abaixo de mau tempo
e de relento em relento
chegou o aqui e o agora.

Comungando as alegrias
e repartindo as tristezas,
rodeados de natureza
sem pressa, sem ansiedade,
a nossa felicidade
é a paz, é a ternura,
um ranchito nas alturas
vizinhando com a saudade.

Hoje somos respeitados
pelos valores pessoais,
pelas lutas ancestrais,
pelo jeitão de haraganos.
Somos a voz do minuano
ecoando, aonde ande,
que no altar do Rio Grande
existe o povo serrano.