SOU MAIS OU MENOS ASSIM

SOU MAIS OU MENOS ASSIM

14/06/2018

COMO CANTAVA HONEYDE BERTUSSI:


"JÁ FUI BOM"
 
 Este vivente é o goleiro de calção branco

Fui goleiro, sim senhor,
lá do Atlético Serrano,
clube campeão, por dois anos,
do Estadual Amador.
Mesmo tendo algum valor
era baixo pra função.  
Mas, no futebol de salão,
era um gato (na destreza).
Hoje só faço defesas
desta nossa tradição.
 
 
 
 
 
 

BAIANO CANDINHO


Esquadrão Josaphat, na Revolução Federalista
Baiano Candinho é o penúltimo sentado a direita
 
O causo que ora relato
escrito assim como está,
é história com "H",
como três mais três são seis.
Fala de quem fez as leis
pela força de seu braço.
Me guiou Fernandes Bastos
com o seu Noite de Reis.

É um livro, é uma obra,
que refaz a rude trilha
ao chegar nas Três Forquilhas
desertando de uma guerra
de uns tauras, cinco qüeras,
vagando sem mãe, sem pai,
que vinham do Paraguai
de volta pra sua terra.

Eram recrutas baianos,
nordestinos, coisa e tal,
brasileiros afinal
já que a nação é só uma.
Se perderam nesta bruma
de andar no mundo sem nada
e saíram da estrada
que os levaria a Laguna.

Martinho Pereira dos Santos
era um dos desgarrados
e seu nome de soldado
era Cândido Silveira.
Este foi a sementeira
dos fatos que agora alinho
vulgo Baiano Candinho
de estirpe bochincheira.

Se entreveraram, estes cinco,
num reduto de "lemão",
um povoado em formação,
germânicos de sangue puro.
Também tinha uns "pelo-duro"
que não valiam um trocado.
Viviam roubando gado
pra garantir o futuro.

A convivência é que dita
os rumos pra quem não tem.
No início, tudo bem,
ergueram taipa em Contendas,
foram peões de fazenda,
rondaram tropa ao relento,
mas não durou muito tempo
pra virar balcão de venda.

O Candinho era o mais guapo,
mais ligeiro, mais valente,
por isso, seguidamente,
era acusado em vão.
Era o motivo, a razão,
de tudo quanto era estouro
as vezes livrava o couro,
outras o couro do irmão.

Começa um tempo de mortes,
de tocais, correrias,
a pacata Três Forquilhas
vira terra de ninguém.
No altar da serra também
(e por todo o Josaphat)
eles mandavam por lá
e todos dizendo amém.

O Candinho era disposto
mas índio bom e parceiro
Fazia tafonas, taipeiro,
sempre em trabalho pesado.
Por patrões foi explorado,
acusado de ladrão,
por ser chefe de Esquadrão,
era seguido e rondado.

Viu os filhos na miséria,
o irmão assassinado,
na sua honra foi tocado
ao bolirem com a família.
Uma serranada caudilha
pintava e bordava os panos
então, após alguns anos,
ele volta à Três Forquilhas.

Juntou-se com a velha turma
em negociatas, ligeiros,
repontando gado alheio,
levando tudo por diante,
tiroteando com volantes
que vinham rumo da serra.
O que aprendeu pela guerra
Candinho usou neste instante.

Seu nome ficou famoso,
nas bodegas comentado,
era o vilão do Estado,
protetor de "coronéis",
Vinham gente dos quarteis
pra mode manda-lo a pique,
ele, o enteado Henrique,
e mais uns oito fiéis.

Nas costas do Rio Carvalho,
Itati, nas bananeiras,
o Candinho fez zoeira
palmeando um facão três-listras.
Foi chefe federalista,
maragato com afinco,
patrão do Bando do Pinto
pra ninguém baixou a crista.

Mil oitocentos e noventa e oito.
Noite de Reis, cantorias,
por aquela fregueisa
vinha o Terno em canto fino
a saudar o Deus Menino
num versejar que conforta.
o Candinho abriu a porta
e topou com seu destino.

Foi morto pelos cantores
numa certeira emboscada.
Hoje a lenda está formada:
- Foi herói ou ladrãozinho?
Descendentes dos vizinhos
dizem que tudo é verdade
e cresce a curiosidade
sobre o BAIANO CANDINHO.
 
 
 


ORELHANO



ORELHANO
 
- Em homenagem ao Sítio Orelhano, de propriedade dos primos Vera e Hélio.
 

No linguajar campechano
toda rês ou animal
que não tem marca ou sinal
é chamado de orelhano.
Já no falar do paisano,
do índio xucro e redomão,
orelhano é o gauchão
que anda aí, sem fronteira,
sua adaga é sua bandeira,
Deus no céu é o seu patrão. 

Mas pra nós, primos e primas,
Orelhano é um lugar
é a sede, o segundo lar
dos entes da Josefina.
É um sítio, coisa fina
em meio a rusticidade.
É onde a hospitalidade
refloresce junto as plantas
e ecoam das gargantas
cantorias de amizade. 

Orelhano é tradição,
é o vinho em meio ao frio,
é o local em que  os bugios
vem comer em nossas mãos.
Orelhano é integração
de bicho, de mato e gente,
é o encontro dos parentes
recordando antigas eras
aonde o Hélio e a Vera
vão regando estas sementes. 

Orelhano é a querência
pra tantos que andavam a esmo
se encontrar consigo mesmo
e saber da procedência.
Ali se revive a essência
de quem se foi pra outro plano....
Longa vida ao Orelhano,
ventre de festas tão belas
e nunca teve tramelas
pros Donatos haraganos.


 

 

O SOM QUE O MEU RÁDIO TOCA



 O SOM QUE O MEU RÁDIO TOCA
 Léo Ribeiro

Quem me olha assim pilchado,
chapéu no estilo serrano,
pensa que este paisano
é um gaúcho bitolado.
Que meu limite é o Estado
e a cantiga galponeira
é a divisa musiqueira
e não conheço outro mundo,
que o grande Pedro Raimundo
demarca minha fronteira.

Mas a canção com mensagem
não importa de onde for,
nem seu credo, nem sua cor,
tem lugar na minha bagagem.
Gosto dos temas, imagens,    
que sirvam pra qualquer tempo,
da letra de fundamento
que diz tudo em poucas linhas,
do Cazuza, Gonzaguinha
ou do Milton Nascimento.

Escuto Moraes Moreira,
Chico, Gil e Caetano,
Gal Costa, Novos Baianos,
samba descendo a ladeira.
E a toada brasileira
que brota lá do sertão?
Frevo, forró e baião,
na sanfona nordestina!?
Asa Branca, obra prima
do saudoso Gonzagão!

Adoro o mundo caboclo,
moda-de-viola ponteada,
Pedro Bento e Zé da Estrada,
e o Tonico e Tinoco
tudo isto e mais um pouco
do canto-chão vive em mim.
Das palhoças de capim
o Jararaca e Ratinho,
Tião Carreiro e Pardinho,
a Inezita e o Boldrin.

Que me chamem de atrasado,
pois, de fato, sou de antes,
e adorava os Mutantes,
e os Secos & Molhados.
Também são do meu agrado
outros tantos por aí.
Marley, Lennon, ACDC, 
Dylan, Sinatra e sua voz
Stones, Nenhum de Nós,
e o Noel Guarany.

Eu gosto do blues ao tango
de uma orquestra ao Kiss
do Teixeirinha à Elis
de um sarau ao fandango.
Só não ouço e até me zango
(mas respeito quem estima)
quando me vêm com estas "rimas"
funk, rap, coisa e tal...
Aí viro num bagual
e ataco de Mano Lima. 


PARTILHANDO A TARECAMA



PARTILHANDO A TARECAMA 

Enquanto é tempo vou fazer meu inventário
pois ninguém sabe o porvir de um novo dia
e quero tudo como as contas de um rosário
um Padre Nosso para dez Ave Marias 

O bem maior que compõe a minha herança
é minha honra que nunca saiu dos trilhos.
Mas quanto a isto tenho a alma leve e mansa
pois este dote já passei para os meus filhos. 

O meu cavalo, mouro negro de confiança,
se por acaso ele não for antes de mim,
quero que fique pro andar só de criança,
que morra livre pisoteando os alecrins. 

Meu poncho-pátria de baeta colorada,
rancho e tapume no rigor das invernias,
vai de regalo para quem foi a minha amada
sentir no pano meu calor nas noites frias. 

As homenagens que ganhei por fazer versos
podem deixar pelos fundos de um galpão.
Depois de um tempo em outro plano do universo
das poesias que rimei nem lembrarão. 

Este meu corpo não enterrem a sete palmos!
Que me incinerem como um índio, como um monge.
e deixem as cinzas num lugar bonito e calmo
aonde o vento vai sopra-las pra bem longe.

 

 

 

FESTIVAL RONCO DO BUGIO




Pinhão pulando na chapa,
conhaque, mate, quentão,
pandeiro, gaita, violão,
tudo pra espantar o frio.
Coisa igual nunca se viu
neste Rio Grande imortal,
campeiraço, original,
nosso Ronco do Bugio.

Contava Honeyde Bertussi
que aqui pelo Juá
inventaram de "imitá"
o bugio lá no capão.
E foi Virgílio Leitão,
num pouso a beira mato,
que arremedou o macaco
numa gaita de botão.

E foi também pelas mãos
do Honeyde e do Adelar
que o bichinho foi parar
no antigo "bolachão".
Assim virou o brazão
dos cantores da querência.
É terrunho, é pura essência,
é filho deste torrão.

Esta festa genuína
veio, então, apadrinhar,
difundir e preservar
esse toque do rincão.
Ainda traz a vocação,
entre os versos que desata,
de proteger o primata
hoje quase em extinção.

Artistas timbrando versos,
gente de fama graúda,
cantarolando saúdam
a cultura deste pago.
Este encontro é afamado
por sua estirpe campeira
e teima em cruzar fronteiras
da serra pra todo o Estado.

É um encontro de amigos,
vertente de poesias,
espetáculos, cantorias
que dá gosto a gente ver.
No gelado amanhecer
as gaitas aquentam tudo
neste trancão macanudo
que São Chico viu nascer.

* Poema que compõe o livro "São Francisco Centenário", de Léo Ribeiro, escrito no inverno de 2003. 





SÃO "CHICO" DOS APELIDOS




Eu aprendi, gauderiando,
andando de ninho em ninho,
que uma forma de carinho
é tratar por apelido.
Não sendo depreciativo,
não apontando um defeito,
é uma maneira, um jeito,
de chamar alguém de amigo.

E a velha terra crioula
é campeã neste sistema
pois são dezenas, centenas,
usando um termo esquisito.
No fim se torna bonito
chamar alguém de Marreco,
de Peladinho, Tareco,
Ganso Galinha, Cabrito.

E a gente acaba esquecendo,
diante de tanto salseiro,
qual o nome verdadeiro
do índio que nos rodeia.
Como ninguém esperneia
e atende quando chamado
gostamos deste legado.
Não é verdade "Zoreia"?

Pra que os senhores conheçam
um pouco deste mundéu
temos o Foice, o Xexéu,
Cachorro Véio, Pinduca,
Gaudério, Tatu, Maruca,
Sabugo, Budi, Mijado,
Porongo, Sopa, Caiado,
Repolho, Moka, Macuca.

Lagarto, Didi, Caduco,
Capacete, Gameleiro,
Alicate, Budegueiro,
Pato, Itajiba, Pinhão,
Bolo, Candinho, Pregão,
Gasolina, Tico-tico,
Cevada, Pingo, Munico,
Cegonha, Gordo, Canhão.

Quem conheceu ou conhece
o Rei do Taco, o Candoca,
a Bailanta da Tiloca,
Chatolino Pipoqueiro,
Negro Norte e seu Pandeiro,
Jaíco na de botão,
o Godóy, um zagueirão
e o Paulo Funileiro?

Também escrevo em memória
de amigos que foram cedo
Russo, Maqueba, Galego,
Seu Pedrinho, Renatão,
com certeza aonde estão
são chamados deste jeito.
O céu é um lugar perfeito
pra tratar bem um irmão.

E aproveitando o momento,
pra findar meu verso torto,
me chamam Ladrão de Porco
e assim sou conhecido.
O poema já está comprido
por isso encerro o escrito.
Já decantei meu São "Chico"
Cidade dos Apelidos.








ROLLING STONES



Após 3 horas e 10 min na fila...

Já tô com ingresso na mão
para ouvir esta indiada!
Acho que são de Alvorada,
divisa com Viamão.
Dizem que o seu trancão
anima qualquer plateia
" Sonzaço de mil colmeias",
me fala quem já ouviu.
 - Mas que me toquem um bugio
daqueles do Porca Véia.

 
 
 

CANTIGA AOS IRMÃOS DO GORGS




CANTIGA AOS IRMÃOS DO GORGS
(Léo Ribeiro) 

MIL OITOCENTOS E NOVENTA E TRÊS,
DIA QUATORZE DE OUTUBRO,
O AVENTAL BRANCO E RUBRO
SE APARTAVA DE VEZ.
SOB O RITUAL ESCOCÊS
NASCIA NOVA POTÊNCIA
PREGOANDO A INDEPENDÊNCIA 
DO ORIENTE BRASILEIRO
PARA VIVER, POR INTEIRO,
EM SUA NOVA QUERÊNCIA. 
 
E AQUI FINCAMOS GARRÃO,
DEMARCANDO NOSSO ESPAÇO,
A PRUMO, CINZEL E MAÇO,
ERGUENDO CADA GALPÃO.
O TEMPLO DE SALOMÃO
VEIO CONTAR SEUS SEGREDOS
AOS GAÚCHOS QUE, SEM MEDO,
ACEITARAM ESTA LABUTA
DE POLIR A PEDRA BRUTA
NA PROVÍNCIA DE SAO PEDRO.  
 
E AGORA CHEGOU O DIA
DE SERMOS RECONHECIDOS,
DE POR O NOME NO LIVRO
DE TODA MAÇONARIA.
TIROU-SE A VENDA, IRRADIA,
RAIOS DE SOL SOBRE A GENTE.
O OLHO ONIVIDENTE,
LÁ DO CÉU, DE UM PURO AZUL,
VEM DIZER QUE AQUI NO SUL
EXISTE O NOSSO ORIENTE.  
 
HONRAMOS NOSSA BANDEIRA,
EM DEFESA DA IGUALDADE,
LIBERDADE, HUMANIDADE,
IDEAIS PRA VIDA INTEIRA.
QUE ESTA DATA ALTANEIRA
ATRAVESSE A IMENSIDÃO,
QUE A ORDEM E A RAZÃO
NOS CARREGUE AONDE ANDE
POIS... NÃO MORRERÁ O RIO GRANDE
ENQUANTO HOUVER UM IRMÃO.


 

FESTA DO PINHÃO




Quando a linda gralha azul
“escramuça” pelo chão
para esconder o pinhão
que será o seu sustento,
começa o procedimento:
Semente, pinheiro, pinha...
“Debulhado” na cozinha
o fruto vira alimento.

E o alimento vira festa
por esses pagos serranos.
Ali, no meio do ano,
vai-se embora a calmaria
e um clima de alegria
toma conta da cidade
com atrações a vontade
e farta gastronomia.

Tem sapecada, paçoca,
tem churrasco de pinhão,
artesanato, quentão
pra aquecer do frio matreiro...
Meus patrícios brasileiros
São Francisco vos convida
para ver como é a vida
deste povo hospitaleiro

Venham ver os pinheirais,
os gaiteiros, laçadores,
a terra dos mil amores,
da natureza mais pura.
Venham ver nossa cultura
e festejar o pinhão
e todos se encontrarão
pertos de Deus, nas alturas.


CTG RODEIO SERRANO




O timbre da gaita ruiva
choraminga noite adentro
num terrunho chamamento
dando alegria ao recinto.
Sobre o telhado de zinco
a chuva mais parecia
carga de cavalaria
nos idos de trinta e cinco.

Fitando o povo a bailar
eu senti voltar o tempo
pra lendária Sacramento
nos saraus das casas-grandes.
O pensamento se expande
e vi naquele entrevero
outros surungos camperios
no aurorescer do Rio Grande.
 
Escutei o Mestre-sala
naqueles bailes de inverno:
- descansa o segundo terno 
quando então trocavam pares.
Ainda ouço os cantares
na polca de relação,
o lenço palmeando a mão,
os sorrisos, os olhares.
 
Velho Rodeio Serrano
no ventre de tuas paredes
é onde mato a sede
de amor por este chão.
Templo em feitio de galpão
no qual a raça serrana
num sarandeio se irmana
perpetuando a tradição.
 
 
 

AS CAVALHADAS


preparativos para a Cavalhada em Cazuza Ferreira
 
AS CAVALHADAS
 
Vem de fundo religioso
a batalha simulada
de lança, garrucha, espada
em equestre evolução.
Vinte e quatro cavaleiros
mostrando todo o entrevero
entre Mouros e Cristãos.
 
Dos tempos de Carlos Mágno,
das lutas medievais,
pra reviver ancestrais
na velha e lendária Europa,
nasceu este simbolismo
onde os crentes do islamismo
perderam toda sua tropa.
 
Os Doze Pares da França 
foram ali representados
e os diálogos recriados
entre os embaixadores
Sarracenos e Cristãos
foi dos romances d' então:
cavalaria e amores.
 
Foram muito praticadas
ne Espanha e Portugal
donde se vieram, afinal,
parar nos campos daqui.
Assoviando florestes
em Santo Antônio, Alegrete,
São Chico e Gravataí.
 
Perdeu popularidade
na guerra de vinte e três
mas retornou outra vez
nas festas dos padroeiros.
Cavalos ajaezados,
aperos lindos, prateados,
pra orgulho do cavaleiro.
 
Os súditos de Maomé
co'estandarte do crescente,
vão topando cós valentes
seguidores do evangelho.
Essa representação
vai paleteando emoção
de piás, moços e velhos.
 
Ainda hoje, em São Francisco,
se pratica a cavalhada
por patrões e peonada
lá de Cazuza Ferreira.
São gente da cepa pura
cabresteando esta cultura
de forma tão altaneira.

Mouros e Cristãos

O INVERNO DE QUEM NÃO TEM



Depois da chuva, a mangaços,
vem o frio e a geada,
vem estas manhãs geladas,
o vento cortando o rosto.
Puxa da capa e do pala
e vamos rumar pra lida
pois segue bem nesta vida
quem cruzar o mês de agosto.

O Problema, meu irmão,
é quando o inverno se vem
judiando de quem não tem
um trapo pro corpo inteiro.
Quanta gente, ser humano
dormindo assim, pelo chão,
por coberta, um papelão
nas calçadas do povoeiro.

Versos de: Léo Ribeiro
Gravura: Vasco Machado


 

NA SOLIDÃO DE UM CHAMAMÊ




Boca da noite dá ôh de casa cá na campanha,
a gadaria vem rumo as casas com seus lamentos
- Ave Maria – quanta tristeza que se rebanha,
janelas altas rangem madeira a cada vento.

Espadas velhas guardam retratos pelas paredes
é minha gente de barbas ruivas, roupas de linho.
Encilho um mate num contraponto pra minha sede
e aquento o corpo no fogo brando de um nó-de-pinho.

É nestas horas que a tua ausência bate na porta
então ponteio nestas seis cordas meu desalento
eu que pensava que tua lembrança estava morta
no chamamê sinto teu lume galpão adentro.
 
Pra quem golpeia na lida bruta o dia inteiro,
um fim de tarde é hora sacra cá onde vivo,
o corpo cansa neste encargo de peão campeiro,
cabelos turvos, sulcos no rosto trago comigo.
 
Mas um borralho, um “gol” de vinho, um mate quente,
são coisas buenas pra alma pampa neste sem fim
e a cuscalhada que considero mais do que gente
me olham tristes, sabem da dor que existe em mim.    
 
Me vou ao catre, pelego grande, capa Ideal,
bombeando um ponto nas telhas cinzas de picumã...
Que passe ao trote a madrugada que me faz mal,
que ande o tempo pra um novo dia, novo amanhã.
 
Eu e meu rancho, pasto povoado, alma tapera,
silêncio vago e um frio de inverno que se prolonga.
Queria tanto que tu voltasse com a primavera
florindo os campos e ser parceira nas noites longas.
 
 
 

O VERSO É PEDRA



 

 
 
O VERSO É PEDRA...

Cante a tua aldeia, a tua matiz
que a tua voz se ouvirá um dia.
O rock é assim, cruzou geografias
e se paira eterno porque tem raiz.
Desta noitada eu saio feliz
banho de chuva, alma de guri
e reafirmo, depois do que vi,
que o canto puro não tem que mudar.
O verso é pedra, é só lapidar
como estas Pedras que rolaram aqui.
 
 
 

AOS GAÚCHOS DO AMANHÃ


Esse cantar, pêlo-duro,
de tom singelo nas rimas,
busca a volta e se destina
aos gaúchos do futuro.
São versos meio no escuro
pois não sei como vai ser
quando aqui não mais viver
os riograndenses de agora
que ao singrar de cada aurora
fazem a estima renascer.

Eu não sei se a tradição,
que vai de povo pra povo,
pisará no tempo novo
com firmeza no garrão
porque vem, na contra-mão,
o progresso erguendo o pó.
Na velha Taquarembó,
isto em questão de segundos,
se sabe tudo do mundo,
de um mundo que eu tenho dó.

Será que pelo interior
existirão sesmarias
e cantar de cotovias
num moirão de corredor?
Cruzará um campeador
assoviando pra lua,
trazendo o odor da xirua
e o som de gaita aos domingos?
Haverão tropéis de pingos
nos desparelhos das ruas?

Ao cabo de alguns anos
alguém manterá o vício
de declamar Apparício
e os versos do Aureliano?
E as pajadas de Caetano,
as Espinelas rimadas,
“inda” serão retrechadas
no aconchego de um galpão?
Dos vates se lembrarão
na vida globalizada?

Cada momento é um momento,
em tudo vamos vivê-los,
com intensidade, com zê-lo,
com paz e contentamento.
Só não cabe o esquecimento,
o olhar meio de lado
aos costumes repassados,
aos bons recuerdos de antanho.
O coração tem tamanho
pra guardar esses legados.

É briosa essa missão
de cambiar ensinamentos
pra não perder-se nos tempos
as pesquisas do Paixão,
os ritos do chimarrão,
os avios da lida rude,
as infâncias nos açudes,
as lendas do velho Blau,
os bailongos, os saraus,
as gaudérias inqüietudes.

Mas eu lo creio e espero
que os filhos de nossos filhos
tenham luz e sigam os trilhos
do atavismo sincero.
Que venerem, qual venero,
a querência, a terra pura,
as taperas, as lonjuras,
e não “frouxem” nem um tento
para esse pensamento
de unificar as culturas.

Não que eu seja um saudosista,
um vivente em tempo errado,
o amanhã tem seus agrados
tem conforto, tem conquistas.
O que me embaralha as vistas
e me faz tremer a voz
é o ser humano feroz
que altera todo o processo.
- O mal não vem do progresso
o perigo está em nós!


FELIZ ANO NOVO




Já vem fechando a porteira
o peão, velho, cansado,
de barba branca, enrugado,
em sua lida derradeira.
A égua zaina estradeira
sente a fadiga do dono.
Na sombra de um cinamomo
desencilha e solta a campo...
E o taura, feito um santo,
dorme seu último sono!

Mas vem erguendo a poeira
na mesma trilha, um piá.
Um garnizé batará
montando uma báia ligeira.
E vem abrindo porteiras
pelos campos da querência.
Gurizote, sem paciência,
tudo que vê ele prova.
É o ciclo que se renova
no ir e vir da existência.

O Ano Velho é o peão,
o Ano Novo é o guri.
Um vai bombear, por aí,
talvez noutra encarnação.
O outro é renovação,
esperança, recomeço...
Patrão de Tudo! Agradeço
pelo ano bem vivido
e nem lhe faço pedidos
pois... O que tenho é o que mereço.





A VOZ DO SILÊNCIO


 
Bico que fala demais,
boca igual a do cincerro,
mora mais perto do erro,
da injúria, da ofensa.
Quando a língua não tem tranca
o peito velho é quem paga
e acaba por boca-braba
quem diz aquilo que pensa.

É por isso que admiro
pessoa de pouca prosa,
quem mais escuta, quem dosa,
aquilo que vai dizer.
Muitas vezes o silêncio
presta mais definição
do que o gritar sem razão,
do que o falar sem saber!
 
 

SONETO A LIVRARIA MIRAGEM


A proprietária Luciana Soares e Léo Ribeiro
 
Soneto a Livraria Miragem

Lúdica paisagem, ilusão da mente,
és tu, miragem, ao sofrido olhar.
Falso oásis no deserto quente,
irreal navio na vastidão do mar.

Mas pra nós, serranos, Miragem é vida,
não é um fruto da imaginação.
Pode ser tocada, pode ser sentida
e, por bela, prende a nossa visão.

É o lar dos livros, casa de cultura,
querência das artes de essência pura,
altiva e nobre, com cheiro de terra.

É a nossa origem materializada,
é a nossa história sendo recontada,
é assim Miragem, no altar da serra.
 

 

QUANDO O FOGO QUEIMA A ALMA

 

 Casa do Seu Napoleão Moura, tal como era em minha mocidade
em São Francisco de Paula

QUANDO O FOGO QUEIMA A ALMA
 
Quando o fogo vai além
da algerosa e da madeira
esta chama é sorrateira
pois queima a alma também.
Quantas lembranças me vem
bombeando agora o lugar.....
Ali se quedou um lar,
um passado, uma história,
que no baú da memória
insistirei em guardar.  

Na mocidade eu morei
onde começa a Barão
e com Seu Napoleão
diversas vezes falei.
Ele parecia um rei
sentado, testa franzida,
Nesta esquina da avenida
dobrei as tardes alpedas
e agora labaredas
vem chamuscar minha vida.    
 
A mesma casa histórica na noite em que um incêndio veio destruí-la
no início deste mês de dezembro.
 
 
 
 

CANTIGA ANTIGA




Nos verdes anos, a ombrear cadernos,
ia eu, mocito, desbravando a rua,
e na esquina, no rigor do inverno,
aquela casa de paredes nuas...
“Garrei” o mundo, flor da mocidade,
pra buscar o pão eu troquei de povo
mas o tempo insano não respeita idade
e tapou de marcas o meu rosto novo.
E agora volto pras ruas e praças
e a velha casa não está ali
não vejo mais aquelas vidraças 
refletindo os sonhos de um pobre guri.

 
 
 
 
 
 

MEU RANCHO


Poema em homenagem aos amigos Ewilyn Aires e Jeândro Garcia, que estão erguendo com muito carinho e autenticidade a sua morada.  
 
 
A nossa casa é o interior
que veio  para a cidade
trazendo hospitalidade
e um casal sonhador.
Mas nosso maior valor,
o que juntamos nas trilhas,
não é o luxo das mobilhas
porque isto pouco importa
o que nos une e conforta
são os laços de família. 
Nossa morada é um recanto,
de folclore e de cultura,
de trastes, de coisas puras,
de poesia e de canto.
Para nós é o próprio encanto
cercado de costaneiras,
é o nosso porto, é a bandeira,
é o sol, a chuva, o vento,
é onde parou o tempo
pra morar a vida inteira.  
Passe pra diante, então,
se vens trazer harmonia,
compartilhar alegrias
ao de redor do fogão.
Tem café, tem chimarrão,
tem charque preso num gancho...
Aqui ninguém é carancho
pois todos somos irmãos
que sorvem da tradição
nas cacimbas deste rancho. 


 

GAÚCHOS DE ALMA




Sou do Rio Grande, terra de Netto e de Bento,
gaudério cento por cento, pilchadito noite e dia,
mas tem gaúcho da Bahia à Sacramento
ser gaúcho é um sentimento, não importa a geografia.  
O mate amargo que passa de mão em mão,
numa praça ou num galpão traduz aquilo que falo.
O gauchismo a gente traz de memória,
brota de um livro de história ou do lombo de um cavalo.  

REFRÃO
Eu sou daqueles que se criou lá pra fora
lida bruta desde a'urora aonde a vida é mais calma,
mas eu respeito quem nunca botou bombacha
e riograndense se acha porqu'é um gaúcho de alma.  

Tem muita taura de aba larga e tirador
e que pouco dá valor a quem anda diferente.
Não é na roupa que se vê a gente boa,
o cusco que muito acoa nem sempre é o mais valente. 

Nossa cultura é aberta e tem espaço
pra milonga e pro gaitaço, sapateio e poesia.
Que coisa linda ver pras bandas lá de cima
o Rio Grande sendo rima, cantado com galhardia. 

REFRÃO  

Eu sou daqueles que se criou lá pra fora
lida bruta desde a'urora aonde a vida é mais calma,
mas eu respeito quem nunca botou bombacha
e riograndense se acha porqu'é um gaúcho de alma.  

Pra ser  gaúcho não precisa de fronteira,
cor de lenço ou de bandeira, tudo é pátria e liberdade,
é só gostar de nossos velhos costumes
e a tradição que nos une forma nossa identidade. 

E tanto faz se o índio é igual a mim
repontando nestes fins a boiada com paciência,
ou s'ele passa de gravata sobre o peito 
mas cultiva do seu jeito seu amor pela querência.


 

UM CANTAR PRA DOIS PARCEIROS


 




UM CANTAR PRA DOIS PARCEIROS

Lá vem vindo dois paisanos,
ao despacito na estrada,

em mais uma cavalgada
num fim de tarde pampeano.
Dois compadres, dois hermanos,
com pose de capataz.
Cada um eu sei que tráz
Gene taura de algum Vô!
O da direita é o Jojô,
o da esquerda é o Tomaz
 
 
 

RUMO AS SESMARIAS DO INFINITO



RUMO AS SESMARIAS DO INFINITO
(à minha grande amiga Giselda)

Vai cavalgar com teu pingo
nos varzedos do infinito,
campos de lírios bonitos,
aonde sempre é domingo.
Rancho do céu, justo e lindo
onde entra quem é bom,
harpas em límpidos sons,
e algo aqui me palpita,
que estás com Marianita,
e de braço com o Eron.

Recordo Santo Agostinho,
de que a morte não é nada
é apenas uma cruzada
pra outro lado do caminho.
Lembraremos de teu pinho,
tu, cantando com alegria,
dos tempos de nostalgias,
de tua grande amizade,
e sei que, além da saudade,
viverás em nossos dias.

Vamos proseando contigo
pois sempre estarás presente,
rindo e chorando com a gente,
ensinando, dando abrigo,
pros alunos, pros amigos,
com teu jeito protetor.
Só o que muda de valor
é esta estranha lonjura.
Nós, aqui com as criaturas,
tu, aí, com o Criador.


UM CHASQUE PRO TIO OSCAR



Noventa anos de idade
e sessenta, de casado,
ano a ano, lado a lado,
com tia Ivone, sua metade,
topando as dificuldades,
bem dizendo as alegrias.
No singrar de cada dia
foi peão, foi capataz,
com a mesma áurea de paz
que o teu sorriso irradia.
 
Serrano por excelência
que dormiu muito em arreio,
cruzou varzedos, rios cheios,
nas tropeadas da existência.
Mesmo ao cambiar de querência
buscando um novo horizonte,
trouxe por diante, ao reponte,
a essência de sua terra...
Jamais esquece da serra
quem já bebeu destas fontes!
 
O tempo nunca dá volta
mas também não perde a cor.
Cada fio branco é um valor
que o sábio pega e não solta.
E o Tio Oscar é da escolta
onde a bonança rebrilha,
é o rumo, é a trilha,
é a história preferida
de quem constrói sua vida
tendo por base a família.
 
Tio Oscar, meus parabéns
por este rico legado!
Sou teu sobrinho emprestado
mas que muito te quer bem.
Que tua vida vá além,
que supere as longitudes
e desculpa os versos rudes
pois, por ti, estou feliz.
Não disse tudo o que eu quis
mas disse tudo o que eu pude...