LAPIDANDO A PEDRA BRUTA
Me criei meio a lo
bruto
nos fundões deste Rio Grande,
com olhos rubros de sangue,
e pegadas de matuto.
Jamais perdi um minuto
buscando me conhecer...
- Pensava: vou apodrecer
com estas baldas de chiru
pois quem nasceu pra tatu
cavocando há de morrer!
Pra qualquer fanfarronada
eu sempre peguei parelho...
Com reumatismo num joelho
e uma costela trincada,
dancei por três madrugadas
num bailesito campeiro!
Nunca gritei por parceiro,
quando bateram meu pó,
que uma coisa é cantar só,
outra é cantar com gaiteiro....
Depois de tantas qüeradas
por este mundo profano
eu fui vendo que meus planos
iam rumando pro nada.
Então garrei a estrada
e me embretei no povoeiro...
Eu levei, neste terreiro,
puaços de toda a sorte
até achar o meu norte,
na profissão de Pedreiro.
Pra quem tinha as mãos forjadas
por cordas de viola e laço,
o prumo, o cinzel e o maço,
são ferramentas pesadas.
Mas a pedra desbastada
me dava satisfação.
Daí que veio a lição
que eu uso a toda a hora,
que “não precisa de espora
quem cavalga na razão”.
E assim, sem desperdícios,
trabalhei o quanto pude...
Ergui galpões a virtude,
cerquei de taipas meus vícios.
Tendo sempre por princípio
de a ninguém fazer o mal
tratei todos por igual
e com apoio e alento
fui me domando por dentro,
foi-se entregando o bagual.
Pedreiro! Que coisa linda!
Que oficio de valor!
Dar sentido e esplendor
a construção que não finda.
Sempre há outra e outra ainda...
Vida! Morte! Céu por teto...
O esquadro, o traço reto,
o compasso, a exatidão,
cumprindo sempre a missão
que vem do nosso Arquiteto.
Ah, Pedreiro... Que ciência,
nivelar, dar corpo e forma
a pedra que se transforma
apesar da resistência
e ladrilhar, com paciência,
o mosaico em simetria.
Pensem bem na harmonia,
no equilíbrio das colunas...
Essa arte é uma fortuna
de encanto e sabedoria.
Michelangelo fez da pedra
a mais sublime escultura
e na pedra as escrituras
foram ditando suas regras.
E quem é que não se entrega
a um tiro de boleadeiras?
Três pedras, todas certeiras,
ruflando ao sabor do vento,
arma do gaucho nos tempos
da pampa larga e guerreira.
Cada um em seu viver
tem uma pedra pela frente
e só depende da gente
desta pedra oque fazer.
O mau lhe atira pra ver
o estrago que alcança.
Nela o cansado descansa,
o distraído tropeça,
em pedra Pedro começa
sua catedral de esperança.
Minha pedra estou talhando,
ainda não terminei,
mas posso ver que mudei,
e quero seguir mudando.
Recaio de vez em quando
mas me levanto por cima.
Ser gaudério é uma sina
mas isto tudo faz parte.
A perfeição é uma arte
que a gente nunca termina.
Hoje sou mestre-de-obras...
Só não larguei das bombachas.
Seguido um filho me acha
fazendo algumas manobras
na gaita que se desdobra
num bugio de capataz.
Vivo bem pois vivo em paz
com minha fraternidade
e a cordeona é só saudade
de um tempo bom de rapaz.